#150: Os avanços e desafios do e-Consignado e por que deveríamos pensá-lo como uma infraestrutura pública digital
W FINTECHS NEWSLETTER #150
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Por muitos anos, o crédito consignado foi visto como o grande trunfo do crédito pessoal no Brasil. O desconto direto em folha tornava o risco de inadimplência quase nulo, num país onde, em outubro de 2024, cerca de 73,1 milhões de pessoas tinham o nome sujo, segundo a Serasa 1. Isso permitia juros mais baixos e volumes mais altos. Do lado dos bancos, era uma garantia de retorno e do lado do tomador do crédito, era uma forma rápida de acesso a recursos com taxas mais acessíveis. Mas esse modelo nunca foi plenamente estendido ao setor privado. O trabalhador CLT permaneceu à margem, distante de um sistema desenhado sobretudo para aposentados, pensionistas e servidores públicos.
Em 2025, essa lógica começou a ser mudada com a criação do e-Consignado CLT. A publicação da Portaria nº 434 marcou o início de uma tentativa de digitalizar e massificar o crédito consignado para a iniciativa privada. Pela primeira vez, fintechs e bancos puderam oferecer consignado direto no aplicativo, sem depender de convênios com empresas. Essa mudança abriu espaço para novas infraestruturas e para uma disputa entre players com estratégias e estruturas distintas. A Jeitto, por exemplo, comprou a Pilla; plataformas white label ganharam tração e fundos começaram a financiar esse novo ciclo com operações de FIDC (Fundo de investimento em direitos creditórios) lastreadas no salário dos trabalhadores. O crédito saiu da folha de pagamento do servidor público e passou a ser uma nova porta de entrada para as fintechs no mercado de massa.
Essa expansão acelerada, no entanto, veio com um preço. A pressa técnica para lançar o modelo expôs fragilidades importantes na infraestrutura pública e gerou instabilidade nos fluxos de autorização, validação e repasse. Dados do Banco Central mostram uma variação expressiva nas taxas praticadas no novo modelo, que vão de 1,16% a 7,31% ao mês 23. Quase metade dos contratos já são firmados com taxas acima de 4% ao mês. O trabalhador pode pagar em dia, mas ainda assim enfrentar inadimplência se o empregador falhar na execução.
Entender o e-Consignado CLT é uma forma de enxergar não apenas os benefícios e as oportunidades que ele trouxe, mas também os desafios técnicos e estruturais que acompanham este novo modelo. Nesta edição, quero mostrar como o consignado pode ser mais do que uma modalidade de crédito e se tornar uma infraestrutura pública digital, assim como o Pix e o Open Finance estão sendo construídos, desde que seja desenvolvido com transparência e com um foco maior em um ganha-ganha entre governo, empresas e trabalhadores.
Como o consignado chegou até aqui?
O crédito consignado nasceu no Brasil como uma resposta pragmática ao desafio de ampliar o acesso ao crédito com baixo risco. Seu marco regulatório foi estabelecido em 2003, com a Lei nº 10.820, que autorizou o desconto das parcelas diretamente na folha de pagamento de servidores públicos, aposentados e pensionistas. A previsibilidade de pagamento reduzia o risco para os credores e, como consequência, permitia taxas mais baixas para os tomadores. O modelo ganhou tração rapidamente e, em poucos anos, consolidou-se como uma das principais modalidades de crédito do país, sobretudo entre beneficiários do INSS.
Durante duas décadas, a lógica do consignado foi sustentada por convênios. Bancos e instituições financeiras firmavam acordos com entes públicos para oferecer crédito com alto volume, taxas competitivas e inadimplência mínima. Esse arranjo moldou uma cadeia de infraestrutura especializada, composta por integradores, sistemas de folha e operadores que atuavam sobre uma base segmentada e bem definida. O público-alvo era majoritariamente composto por servidores e aposentados, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada permaneciam à margem, com acesso limitado a esse tipo de crédito.
A tentativa de expansão para o setor privado enfrentava barreiras estruturais. A exigência de firmar convênios com cada empresa, a diversidade dos sistemas de folha de pagamento e a falta de uma infraestrutura nacional para viabilizar o desconto automático das parcelas dificultavam a escalabilidade do modelo entre os trabalhadores com carteira assinada. Embora algumas grandes empresas mantivessem seus próprios convênios, o consignado privado seguia como uma frente marginal, com baixa penetração, pouco dinamismo competitivo e limitada presença de fintechs.
Por exemplo, quando as Sociedades de Crédito Direto (SCDs) surgiram em 2018 com a promessa de fomentar mais crédito digital sem intermediação bancária, a expectativa era que novos modelos de distribuição pudessem romper esse bloqueio. No entanto, a penetração do consignado privado continuou residual. Em 2023, segundo dados do Banco Central, o crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada representava apenas 4,8% da carteira total de consignado, enquanto o crédito para beneficiários do INSS concentrava mais de 70%. Mesmo com o avanço das fintechs, a ausência de uma camada pública que unificasse dados de folha e viabilizasse autorizações digitais impediu que o modelo ganhasse escala real.