#FinOpen: O gap entre o dado do Open Finance e a entrega de valor para o usuário, e outros desafios do Open
W FINTECHS NEWSLETTER #154
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Bem-vindo à edição da série Finance is Open.
A cada duas quartas-feiras, além das edições tradicionais de segunda-feira, abordarei os principais tópicos e as últimas atualizações sobre o que está acontecendo no Open Finance, tanto no Brasil quanto no mundo.
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Na última semana, o Open Finance brasileiro entrou em uma nova fase. Instituições com mais de cinco milhões de clientes passaram a ser obrigadas a integrar o ecossistema, o que amplia um pouco mais o alcance da agenda. Isso é importante porque adiciona mais de 220 milhões de relacionamentos financeiros ao sistema e impacta diretamente cerca de 36 milhões de brasileiros.
Ainda assim, a integração permanece incompleta. Cerca de 106 bancos e fintechs continuam fora do ecossistema por não estarem sujeitos à obrigatoriedade regulatória nem terem aderido de forma voluntária. Essas instituições concentram aproximadamente 8 milhões de pessoas que mantêm relacionamento exclusivo com elas, o que as torna invisíveis para os fluxos de dados. A nova fase, portanto, expande o acesso, mas também evidencia os limites de cobertura e o desafio de consolidar uma base verdadeiramente inclusiva.
Esse cenário reforça uma questão estrutural que acompanha o Open Finance desde seu início. Boa parte do sistema financeiro interpretou a agenda como uma obrigação regulatória e, na sequência, como uma oportunidade comercial. Essa leitura revelou uma dificuldade em lidar com o que não está sob controle direto. O dado, por refletir a vida externa do cliente, não se encaixa na lógica de propriedade que sempre moldou o setor financeiro. Em vez de transformar esse acesso em escuta qualificada, muitas instituições recorreram ao modelo de empacotar, precificar e promover. Usaram o dado como matéria-prima de venda, e não como uma linguagem de vínculo.
Tratar o dado como produto é esquecer que ele não nasce na instituição, mas que na verdade ele é trazido pelo cliente com base em um pacto de confiança, ou seja, de uma relação que deveria se sustentar no ganha-ganha. O banco, nesse arranjo, não é o dono da informação, mas seu guardião temporário. Fazendo com que o dado não seja um item de prateleira, mas uma extensão da experiência de alguém. No Open Finance, o dado pertence à lógica da troca, e não da posse. E entender isso desde o dia zero é o que tem diferenciado muitas instituições.
Hoje, quase quarenta por cento das pessoas que consentiram com o compartilhamento de dados afirmam que não receberam benefício algum em troca. Isso indica que o dado está sendo usado sem retorno real para o cliente. Quando as instituições acessam essas informações apenas para reforçar ofertas pré-formatadas, não existe escuta. Existe apenas uma repetição do que já era feito mas agora sob uma bandeira que está sendo feito “com Open Finance”.
O vazio narrativo
Os dados mais recentes de uma pesquisa da EY revelam que a forma como o consentimento é apresentado ao cliente impacta diretamente sua disposição em compartilhar dados no Open Finance. Instituições que colocam o botão de compartilhamento na página inicial de seus aplicativos capturam, em média, 50% menos consentimentos do que aquelas que integram essa opção dentro de jornadas específicas, como simulações de crédito ou contratação de serviços. Mesmo com taxas de sucesso semelhantes no funil, a simples exposição direta não garante engajamento. O que realmente faz diferença é o contexto no qual o dado é solicitado e a clareza do benefício percebido pelo usuário naquele momento.
Esse comportamento mostra que visibilidade não é sinônimo de adesão e que quando o botão aparece isolado na home, sem uma proposta de valor concreta, o cliente tende a ignorá-lo. Por outro lado, quando o compartilhamento de dados surge como parte natural de uma jornada que já interessa ao usuário, como melhorar sua proposta de crédito ou consolidar informações financeiras, o consentimento passa a ser visto como um facilitador e não como um pedido adicional. Isso indica que a eficácia do Open Finance depende mais de integração e propósito do que de destaque visual.
Essa falta de conexão entre consentimento e valor percebido ajuda a explicar o alto índice de insatisfação dos usuários. Quase 40% das reclamações feitas sobre Open Finance no Reclame Aqui relatam que o compartilhamento de dados não gerou nenhum benefício direto. Entre essas pessoas, 92% afirmam que mesmo autorizando o uso das suas informações não conseguiram acesso a um limite de crédito melhor.
Além da percepção de inutilidade, outros fatores agravam a experiência. Mais de um quinto das reclamações estão ligadas a dados desatualizados, comprometendo a eficácia das análises feitas pelas instituições. Entre os bancos incumbentes, 70% estão acima da média nesse tipo de queixa, e metade deles também lidera em reclamações sobre dificuldade no processo de consentimento.
Além do crédito
Esse desafio de transformar o consentimento em uma experiência significativa ganha ainda mais complexidade quando olhamos para o público de alta renda. Dados da EY mostram que menos de 15% dos investidores brasileiros possuem consentimento ativo no Open Finance, apesar de representarem um segmento com alto potencial de valor agregado. Mesmo com baixa adesão, o interesse existe, pois cerca de 20% das reclamações desse público sobre o ecossistema referem-se ao fato de que suas instituições financeiras ainda não participam do Open Finance. Essa proporção é quase o dobro da média geral, o que revela uma demanda reprimida que não está sendo atendida.
O comportamento das instituições também ajuda a explicar esse descompasso. Apesar do volume de chamadas de APIs de investimento ter crescido mais que o dobro da média do ecossistema, 73% dessas chamadas seguem concentradas em produtos de renda fixa bancária. Há um descolamento claro entre o que o ecossistema prioriza e onde está o interesse do público de alta renda. Fundos de investimento representam 33% do volume total investido no Brasil, mas respondem por apenas 10% das chamadas das APIs de investimento. Já produtos como renda variável, tesouro direto e renda fixa crédito praticamente não aparecem nas integrações, o que reforça a baixa diversidade na aplicação dos dados.
Esse desalinhamento fica ainda mais evidente quando se observa o comportamento dos chamados "super-ricos". Mais da metade do capital de fundos exclusivos está alocado em títulos públicos, mas apenas 1% das chamadas das APIs de investimento vão para essa classe de ativos. Além disso, entre 30% e 50% da carteira desse público está no exterior, onde o câmbio desempenha papel central na composição de portfólio. Mesmo assim, as chamadas à API de câmbio no Open Finance representam apenas 0,03% do total. A escassez de uso revela que o ecossistema ainda não fala a língua dos investidores mais sofisticados, nem oferece respostas condizentes com suas necessidades reais.
O PJ invisível
Esse esforço de tornar o Open Finance mais relevante não se limita aos indivíduos de alta renda. Ele também precisa alcançar o universo das pessoas jurídicas, onde o potencial de valor continua amplamente inexplorado. No Brasil, a penetração do Open Finance entre empresas é de apenas 3%, muito abaixo dos 20% registrados no Reino Unido. Embora representem apenas 1% dos usuários únicos do sistema, as PJ são responsáveis por 4% das reclamações, o que mostra um nível de insatisfação desproporcional e indica que as necessidades desse público ainda não estão sendo devidamente atendidas.
Grande parte do problema reside na percepção de que o ecossistema foi desenhado com foco quase exclusivo no varejo. Um em cada cinco participantes afirma que o cliente PJ simplesmente não é uma prioridade nas estratégias atuais. Além disso, 17% dos respondentes reconhecem que não possuem nenhuma proposta de valor clara para esse público. Isso é especialmente preocupante considerando que mais de 82% das pequenas e médias empresas estariam dispostas a compartilhar dados do seu negócio em troca de serviços mais personalizados, e quase dois terços delas aceitariam pagar por isso.
Outro ponto crítico é a complexidade do relacionamento bancário das empresas. A maioria das PMEs possui contas em múltiplas instituições, sendo que um quarto delas mantém vínculo com entre 6 e 10 bancos. Mesmo assim, mais de um terço dessas empresas conversa com seu gerente uma vez por mês ou menos. Embora essa frequência seja suficiente para muitas, ela também revela uma oportunidade pouco explorada. Em edições anteriores desta newsletter, já abordei como o relacionamento entre empresas e instituições tende a ser longevo, mas frequentemente superficial e pouco orientado por dados.
Os encontros são pontuais, reativos e, muitas vezes, baseados em percepções desatualizadas. O Open Finance pode ser justamente o elemento que falta para tornar essa relação mais estratégica. Ao colocar os dados certos nas mãos dos gerentes, as instituições podem transformar o contato em uma experiência mais proativa, contextualizada e útil para o negócio. Com jornadas mais simples, ofertas integradas e respostas relevantes, o Open Finance deixa de ser apenas infraestrutura e passa a ser um vetor real de valor para as empresas.
O que os dados da EY escancaram é que o Open Finance ainda fala mais sobre potencial do que sobre prática. Embora tecnicamente avançado, o ecossistema ainda falha em entregar valor real para quem compartilha seus dados. O usuário pessoa física percebe pouco retorno, o investidor de alta renda se vê diante de uma oferta genérica e o empreendedor sente que não há proposta feita sob medida para o seu negócio. Consentimento, portanto, virou um símbolo ambíguo: representa o que poderia ser, mas ainda não é.
Os próximos passos do Open Finance precisam lidar com essa lacuna de forma corajosa. Ou a agenda continuará crescendo por fora enquanto esvazia por dentro, acumulando integrações, APIs e promessas de inovação sem conseguir gerar confiança, engajamento e vínculo concreto com quem realmente importa: o usuário que compartilha seus dados esperando uma resposta melhor do que a que já tinha.
Saúde e paz,
Walter Pereira
Disclaimer: As opiniões expressas aqui são de total responsabilidade do autor, Walter Pereira, e não refletem necessariamente as opiniões dos patrocinadores, parceiros ou clientes da W Fintechs.