#36: Ucrânia: a crise bancária que mudou o sistema financeiro ucraniano
W FINTECHS NEWSLETTER #36: 28/02-06/03
Nota: Diante dos conflitos recentes no Leste Europeu, resolvi dedicar esta edição para entender a história financeira da Ucrânia 🇺🇦 e seu ecossistema de fintechs. Em paralelo, gostaria de aproveitar o alcance desta newsletter e divulgar algumas iniciativas de apoio à Ucrânia:
a UNICEF está arrecadando dinheiro para proteger crianças ucranianas 👈;
a DEC está arrecadando dinheiro para ajudar as instituições de caridade no fornecimento de alimento, água e serviços médicos para os refugiados 👈.
Bora para a edição da semana🚀
Olá 👋,
Na nossa #36 newsletter da W Fintechs você encontrará sobre:
Da independência à Revolução Laranja;
O amadurecimento do sistema financeiro;
Um sistema financeiro para o futuro;
Os novos players;
Principais notícias da semana.
👉A W Fintechs é uma newsletter focada em inovação financeira. Toda segunda-feira, às 8:21 a.m., você receberá um e-mail sobre os principais fatos e insights deste universo.
Em 1991, quando a Ucrânia se tornou independente da União Soviética, havia grandes expectativas de que em um futuro não tão distante, o oitavo maior país da Europa em tamanho populacional 1 se tornaria uma nação rica com democracia e livre mercado.
Economicamente, a Ucrânia cresceu junto com a região nas duas primeiras décadas após sua independência. Mas um conjugado de fatores, como a corrupção e políticas econômicas incapazes de alocar eficientemente os recursos providos das épocas de crescimento largos, fizeram com que o país não concretizasse as expectativas.
Em 2004, milhares de ucranianos tomaram a praça central da cidade de Kiev vestidos e carregando bandeiras laranjas. A série de protestos e eventos políticos que aconteceram naquele ano e no inicio de 2005, ficaram conhecida como Revolução Laranja. As manifestações ocorreram em resposta aos resultados manipulados da eleição de 21 de novembro de 2004, que declarou Viktor Yanukovych como vencedor. Naquele mesmo ano, 2004, a Suprema Corte da Ucrânia anulou os resultados da corrida eleitoral e convocou uma segunda eleição com observadores locais e internacionais. Os resultados finais garantiram a vitória de seu opositor, Viktor Yushchenko.
As manifestações e os eventos políticos que aconteceram neste período, mostraram o fortalecimento da democracia no país e o interesse popular por instituições fortes e transparentes. No entanto, os anos seguintes à Revolução Laranja não foram fáceis para a Ucrânia 2. A forte dependência do país em relação ao gás e petróleo e a questão da Crimeia e outras regiões com movimentos separatistas, fizeram com que o país vivenciasse momentos conturbados de instabilidade política e econômica nos anos seguintes.
O amadurecimento do sistema financeiro
No inicio da década de 1990, o país enfrentou uma inflação cambial extrema, o que dificultou o investimento, a competitividade de longo prazo e o crescimento econômico.
Menos de uma década depois, a Ucrânia saiu de um sistema bancário incipiente para um setor bancário comparável em tamanho ao de muitas economias bem estabelecidas 3. O crédito ficou disponível, e não apenas por bancos controlados pelo Estado, ou bancos politicamente ligados ao Estado, houve também a participação de bancos estrangeiros que canalizaram liquidez internacional fácil para a Ucrânia, como faziam para outras economias emergentes.
Atualmente, o setor financeiro da Ucrânia consiste principalmente em bancos com uma participação de 88% no total de ativos do setor financeiro.

A inflação e a desvalorização cambial continuam sendo uma pedra nos sapatos dos ucranianos. Durante o período de 2014 à 2016, muitos bancos entraram em default e alguns declararam falência — fazendo com que o setor sofresse perdas substanciais. Como resultado, o número de bancos caiu de 179 em 2013 para 73 em 2020 4. De acordo com um documento produzido pela Black Sea Trade & Development Bank, o setor bancário na Ucrânia é caracterizado por uma grande participação do Estado, com participação de 56% no total de ativos do setor bancário — os 4 maiores bancos no país são estatais. No entanto, a concentração de mercado não é alta. O setor é considerado competitivo, sendo o índice de concentração para os ativos dos bancos de apenas 11% no final de 2020.
A crise no setor bancário, iniciada em 2014, resultou em um declínio da carteira de empréstimo dos bancos ucranianos. As autoridades locais argumentam que a redução dos empréstimos deve-se a dois fatores principais: (i) falência de alguns bancos e a (ii) menor demanda por empréstimos decorrente da recessão econômica.
A importância do empréstimo, que costumava ser uma fonte significativa de financiamento para os bancos com participação de 25% no passivo total, caiu nos últimos anos e representou apenas 8% do passivo no final de 2020 5.
Em resposta a crise do setor, o National Bank of Ukraine (Banco Central da Ucrânia), com a ajuda do FMI, fez uma limpeza massiva nos balanços do setor bancário, a fim de lidar com os empréstimos ruins que resultaram em perdas significativas para o sistema 6. Apesar de uma solução cara — que aumentou o endividamento do país —, ajudou o setor a se recuperar e lançou as bases para o crescimento potencial no futuro.
Um sistema financeiro para o futuro
Desde a crise bancária no país e os desequilíbrios macroeconômicos dos anos anteriores, a Ucrânia empreende um ambicioso plano de renovação, adaptação e inovação em seu sistema financeiro.
As reformas no setor financeiro da Ucrânia, entre os anos de 2014 a 2019, ajudaram o país a alcançar a estabilização macroeconômica e garantiu uma maior capacidade aos reguladores e participantes do mercado financeiro de resistir aos efeitos da crise.
Durante a crise bancária, o governo do país estabeleceu um plano de ação para superar os desafios da crise 7. Nele, os reguladores ucranianos visaram superar os problemas sistêmicos do setor financeiro e construir um ambiente competitivo totalmente funcional e orientado para o mercado, em convergência com os padrões praticados pela União Europeia (UE).
O programa tinha 3 objetivos claros:
Garantir a estabilidade do setor financeiro;
Fortalecer a capacidade institucional dos reguladores;
Salvaguardar os direitos dos consumidores e investidores no setor financeiro.
Resultados da reforma financeira
De acordo com um documento recente, publicado pelo National Bank of Ukraine e que propõe uma série de novas medidas a serem adotadas até 2025, a reforma financeira teve impactos positivos sobre a economia e a organização financeira do país.
O fortalecimento institucional promovido pelos reguladores, garantiu a independência do Banco Central, resultando em uma maior independência institucional, operacional e financeira. A estabilização macroeconômica foi facilitada pela reorientação da política monetária para metas de inflação e pela transição para um regime de câmbio flutuante (semelhante ao que ficou conhecido como Tripé Econômico aqui no Brasil, colocado em prática pelo Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil, no começo dos anos 2000).
No setor bancário, houve uma limpeza de bancos insolventes por meio de novas abordagens de supervisão bancária e do aprimoramento da capacidade institucional do Deposit Guarantee Fund (MDTU). Além disso, as novas reformas no setor financeiro aumentaram a solidez financeira e a transparência dos bancos, e os reguladores do setor foram capacitados para proteger os direitos do consumidor em serviços financeiros e promover a educação financeira.
Um plano para o futuro: as estratégias até 2025
Desde 2014, os reguladores já estão atentos ao surgimento das novas tecnologias financeiras. Buscando uma maior competição, os reguladores ucranianos observam de perto a escalada das fintechs e a implementação do Open Banking no país.
De acordo com o documento publicado pelo banco central do país 8, a estratégia para 2025 compreendeu esse rápido desenvolvimento do ecossistema ucraniano e colocou como missão o impulsionamento do desenvolvimento estável e inclusivo da economia da Ucrânia e a criação de mecanismos que ajudem a melhorar o bem-estar da população, garantindo acumulação, distribuição e circulação dos recursos financeiros na economia.

Os novos players
Com os 4 maiores bancos do país sendo estatais, as fintechs tentam resolver os gaps do mercado ucraniano e trazer melhores experiências para à população.
De acordo com a Ukrainian Association of Fintech and Innovative Companies, há 150 fintechs no país. Desde 2014, o país desenvolve iniciativas promissoras para impulsionar o desenvolvimento do setor. Um Sandbox foi criado pela National Bank of Ukraine para estimular o desenvolvimento dessas empresas. Foi introduzida a regulamentação de crowdfunding e houve apoio por parte dos reguladores no desenvolvimento de plataformas de pagamentos digitais 9. Devido às rápidas mudanças nas necessidades dos participantes do mercado financeiro, as atividades de pagamento tradicionais mudaram para formatos digitais.
Neste período, o volume de pagamentos sem dinheiro aumentou — a parcela de transações sem dinheiro no volume total de transações é de 75% . Os serviços financeiros estão disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, independentemente da localização do cliente, graças a vários métodos de identificação remota. A concorrência entre as fintechs no mercado financeiro aumentou e a digitalização no setor financeiro está impulsionando o desenvolvimento de uma sociedade digital na Ucrânia.

Conclusão
Desde sua independência em 1991, a Ucrânia vem ultrapassando seus desafios internos de forma perspicaz. Desde a Revolução Laranja — uma série de protestos que aconteceram pelo país e que evidenciaram a corrupção e o interesse popular por mudanças —, a Ucrânia vem sendo desafiada a modernizar seu sistema político e financeiro.
Em 2014-2016, uma crise bancária atingiu o país. A Ucrânia enfrentou uma crise tripla, pois o impacto combinado de uma crise bancária e uma crise cambial resultou rapidamente em uma crise no setor real da economia. Desequilíbrios macroeconômicos acumulados de anos anteriores — a crise política do início de 2014 e a ocupação da Crimeia e de algumas outras regiões ao redor do país — levaram a economia ucraniana a uma profunda crise.
No entanto, desde então, os reguladores financeiros do país estão empenhados em transformar o sistema financeiro ucraniano em um sistema mais inclusivo, transparente e eficiente. As reformas financeiras do país do Leste Europeu, que trouxeram um fortalecimento institucional significativo para o Banco Central da Ucrânia, pavimentaram um caminho sólido de transformação financeira.
Sandbox regulatório, Open Banking e um apoio constante do regulador ao desenvolvimento das fintechs locais, são algumas iniciativas proeminentes do país do Leste da Europa que tem atualmente 4 bancos estatais como os maiores do sistema bancário.
Desde 2014, a concorrência entre as fintechs no mercado financeiro está cada vez maior e a digitalização no setor financeiro está impulsionando o desenvolvimento de uma sociedade digital na Ucrânia. À medida que há um fortalecimento institucional, por parte do banco central do país, a confiança pública no setor financeiro é restaurada e a alfabetização financeira aumenta.
A Ucrânia é um ótimo exemplo de país que usou a adversidade — a crise bancária, política e econômica — como ferramenta para evoluir e prosperar. Os planos da Ucrânia para o setor financeiro são ambiciosos e destacam a força e a persistência de um país que mesmo em guerra e com pouca munição frente ao seu oponente, não desistiu.
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Vamos para as
Principais notícias da semana 📰
Após serem banidos do sistema de pagamentos internacional, bancos russos são bloqueados pela Visa e Mastercard 👈
A Visa e a Mastercard bloquearam várias instituições financeiras russas (FIs) de suas redes para cumprir as sanções do governo americano impostas depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, segundo a Reuters. Ambas as redes de pagamento também disseram que estão preparadas para cumprir quaisquer sanções futuras.
Visa e Mastercard, respectivamente, têm 58% e 41% de participação de mercado de cartões da Europa, de acordo com o The Nilson Report. Cortar a Rússia pode, portanto, reduzir parte do volume das redes de pagamento na região.
O Banco Nacional da Ucrânia (NBU) pediu que Visa e Mastercard parassem de atender seus cartões de pagamento emitidos por bancos russos. O Banco Central da Rússia (CBR) disse que os cartões emitidos por seis bancos russos “funcionariam em toda a Rússia sem restrições”, apesar das sanções.
Laboratório virtual de “Real Digital” do BC seleciona nove projetos; Santander, Febraban, Mercado Bitcoin, Visa e TecBan estão entre eles 👈
O Lift Challenge Real Digital selecionou nove projetos para acompanhamento, o que representa cerca de 20% de um total de 47 propostas apresentadas por 43 diferentes empresas. O desafio havia sido lançado em novembro – o objetivo é avaliar casos de uso da moeda digital emitida pelo BC (o REAL DIGITAL), bem como sua viabilidade tecnológica.
O interesse global pelo tema atraiu empresas brasileiras e de outros países (Alemanha, Estados Unidos, Israel, México, Portugal, Reino Unido e Suécia). Os projetos de aplicações para o Real Digital foram os mais variados, cobrindo o universo proposto na chamada dos trabalhos, com aplicações de entrega contra pagamento (DvP), pagamento contra pagamento (PvP), internet das coisas (IoT), finanças descentralizadas (DeFi) e soluções de pagamentos quando ambos pagador e recebedor se encontram sem acesso à internet (dual offline).
Na Creditas, prejuízo sobe 84% em 2021; receitas crescem 159% 👈
A Creditas acaba de publicar os resultados do quarto trimestre e do ano passado inteiro. No período entre outubro e dezembro, a fintech de crédito com garantia teve prejuízo de R$ 137,6 milhões, mais do que o dobro na comparação com igual intervalo de 2020.
No acumulado de 2021, as perdas somaram R$ 353,4 milhões, alta de 83,7% ante o ano anterior.
Houve uma evolução positiva de -54,8% no quarto trimestre de 2020 para -42,7% no mesmo intervalo do ano passado. Entre 2020 e 2021 como um todo, o indicador também registrou melhora, passando de -57,3% para -40,6%.
As receitas da Creditas mais do que triplicaram no quarto trimestre, em comparação a igual intervalo de 2020, atingindo R$ 322,4 milhões. Em 2021 como um todo, as receitas cresceram mais de 2,5x, para R$ 870 milhões.
Rodada da Neon puxa investimento em startups em fevereiro 👈
Como de praxe, as fintechs lideraram o volume de aportes em startups brasileiras em fevereiro. Do total captado (US$ 763 milhões), mais de 74% (US$ 567 milhões) foram destinados para as empresas com soluções no setor financeiro. Os dados são de levantamento mensal divulgado pela plataforma de inovação Distrito.
No total, em fevereiro as startups brasileiras captaram US$ 763 milhões em 40 rodadas. O montante é duas vezes maior em relação ao mesmo mês de 2021. No acumulado de 2022, o valor de recursos captados é de US$ 1,36 bilhão.
Saúde e paz,
Walter Pereira
https://www.suapesquisa.com/geografia/paises_populosos_europa.htm
https://politike.cartacapital.com.br/ucrania-da-revolucao-laranja-a-crise-de-2014/
https://carnegieendowment.org/2012/03/09/underachiever-ukraine-s-economy-since-1991-pub-47451
https://www.bstdb.org/BSTDB_Overview%20of%20the%20financial%20sector_UKRAINE.pdf
https://www.bstdb.org/BSTDB_Overview%20of%20the%20financial%20sector_UKRAINE.pdf
https://monetary-policy-debates.bank.gov.ua/admin_uploads/article/CP_finsektor_2020_report_eng.pdf
https://bank.gov.ua/admin_uploads/article/Strategy_FS_2025_eng.pdf?v=4
https://bank.gov.ua/admin_uploads/article/Strategy_FS_2025_eng.pdf?v=4
muito bom!