#146: Short Takes: Neobanks: nascidos em momentos de crise, escalados pela regulação e inovação
W FINTECHS NEWSLETTTER #146
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Bem vindo a edição Short Takes e, como o nome sugere, diferente dos deep dives, em edições como essa vou explorar diversos assuntos que, posteriormente, podem se tornar uma edição deep dive.
Short Takes é focado para empreendedores, investidores e operadores que querem insights rápidos.
Muitos neobanks surgiram da consequência de eventos que combinaram crises financeiras, transformações regulatórias e avanços tecnológicos, criando um ambiente fértil para o nascimento de uma nova geração de instituições que desafiaram a lógica dos serviços financeiros tradicionais e propuseram um modelo mais enxuto, acessível e centrado no usuário, especialmente após a crise de 2008, quando os pilares da confiança bancária ruíram e reguladores como a FCA, no Reino Unido, e a BaFin, na Alemanha, decidiram abrir espaço para novos entrantes. Na América Latina, o movimento também surtiu efeito, principalmente sob a bandeira da inclusão financeira e maior competição bancária.
No Brasil, especificamente, a forma de regulação que o Banco Central adotou permitiu que novas instituições surgissem com propostas específicas e segmentadas, rompendo com a lógica do banco universal e abrindo espaço para soluções mais focadas em públicos antes negligenciados pelo sistema bancário tradicional.
Ao eliminar agências físicas e sistemas legados, os neobanks reduziram drasticamente seus custos operacionais — o atendimento a um cliente pode custar apenas US$ 20 por ano em um banco digital, contra mais de US$ 200 em um banco tradicional — e, com isso, puderam adotar estratégias agressivas de aquisição, oferecendo contas sem tarifas, experiências intuitivas e uma promessa de transparência radical.
Enquanto os incumbentes permaneciam presos à lógica do spread e das tarifas escondidas, os neobanks cresciam rápido, sem medo de operar com margens apertadas, impulsionados por um ciclo de alta liquidez que facilitava o acesso a funding via venture capital e IPOs.
Durante os primeiros anos, o motor de receita dos neobanks girava em torno de uma engrenagem simples: a taxa de intercâmbio cobrada nas transações com cartões, algo que ganhou força especialmente nos Estados Unidos graças a uma brecha do Durbin Amendment que permitia que bancos com menos de US$10 bilhões em ativos mantivessem margens maiores, o que ajudou empresas como Chime a escalar rapidamente sem depender, ainda, de produtos de crédito ou monetização direta do usuário.
No entanto, com o tempo, ficou evidente que depender apenas do intercâmbio seria insuficiente para alcançar sustentabilidade financeira, e os neobanks passaram a diversificar suas receitas, lançando planos premium com benefícios como acesso antecipado ao salário, câmbio com taxas interbancárias, seguros de viagem, trading de cripto e ações — e até serviços de concierge, como nos planos Metal da Revolut, que hoje respondem por mais de 30% de sua receita, e no Ultravioleta do Nubank — evidenciando que a disposição do usuário em pagar por experiências financeiras melhores não era algo distante.
Essa transição do freemium para o premium não se deu apenas por pressão de investidores ou pelo desejo de lucro, mas porque os próprios usuários passaram a enxergar valor em serviços que antes pareciam exclusivos de cartões black ou private banking.
O diferencial dos neobanks sempre esteve na fluidez da experiência, na construção de jornadas que se moldam ao comportamento do usuário — e não o contrário —, o que explica o sucesso de funcionalidades como o “Get Paid Early” do Chime ou o câmbio em tempo real da Revolut, que, ao permitir que o usuário mantenha múltiplas moedas e faça conversões a taxas quase zero, desafiaram um dos maiores tabus do sistema bancário tradicional: as tarifas escondidas que corroem o valor sem que o cliente perceba.
A Wise seguiu por um caminho semelhante, ao permitir contas em múltiplas moedas e transferências instantâneas com spreads cambiais mais baixos em corredores selecionados, mas isso exigiu não apenas uma infraestrutura de pagamentos em tempo real (RTP) nas duas pontas, como também a capacidade de navegar por ambientes regulatórios complexos e fragmentados, distribuídos por diferentes jurisdições.
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À medida que a competição se intensifica e os bancos tradicionais começam a copiar essas funcionalidades, os neobanks se veem forçados a ir além, entrando em segmentos mais complexos como crédito, seguros, criptoativos e até banking-as-a-service, como forma de manter relevância e controlar sua infraestrutura, já que a dependência de terceiros tem limitado a margem de manobra de muitos players que não possuem licença bancária própria ou controle total do core bancário.
No campo do crédito, poucos se destacaram tanto quanto o Nubank, que conseguiu escalar seu modelo de cartão de crédito de maneira inteligente, combinando análise de dados em tempo real com decisões de risco mais rápidas, e pavimentou o caminho para um modelo de negócios rentável num mercado com altíssimo custo de capital e inadimplência estrutural, o que também explica por que outros players, como Starling no Reino Unido, optaram por desenvolver carteiras de crédito diversificadas, incluindo overdrafts, empréstimos pessoais e linhas para PMEs.
Mesmo com toda essa evolução, os desafios permanecem latentes, já que a aquisição de clientes continua cara, a monetização nem sempre acompanha o ritmo de crescimento, e a regulação aumentou, principalmente em temas como KYC e AML, o que levou alguns neobanks a enfrentarem investigações e limitações operacionais em mercados estratégicos.
O que fica claro é que à medida que o setor amadurece, os neobanks se afastam da euforia da disrupção inicial e se aproximam mais de uma “engenharia da sustentabilidade”, ou seja, o desafio agora não é mais provar que é possível operar sem agências, transparência total ou melhores experiências para os usuários, mas sim construir ecossistemas financeiros resilientes, que combinem margem, escala e relevância em um ambiente cada vez mais regulado, competitivo e sensível à confiança do usuário. Como escrevi na edição dos super apps: é alinhar-se a uma estratégia para transformar um consumidor pontual em um consumidor de ecossistema.
Saúde e paz,
Walter Pereira
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