#109: Como os dados alternativos estão criando uma nova era do crédito para os recém-bancarizados
W FINTECHS NEWSLETTER #109: 24/06-30/06
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Alguns meses atrás, escrevi sobre a criação do Aadhaar, infraestrutura de identidade digital criada pelo governo indiano (link 👉 aqui). O pilar da identidade foi essencial para que a Índia pudesse avançar não só na identificação de seus cidadãos — que em 2010 tinha 40% da população sem registro de nascimento —, mas também avançasse em inclusão financeira.
Certamente, o Aadhaar e toda a infraestrutura digital implementada na sequência permitiram que a população tivesse mais dados, ou footprints digital. Na época, um dos idealizadores do India Stack, Nandam Nilekani, disse que os residentes e as empresas indianas seriam ricos em dados antes de se tornarem economicamente ricos.
Esse fenômeno foi impulsionado pela crescente adoção da internet móvel e dos smartphones, seguido pelas contas digitais, mídias sociais e outros serviços digitais. Segundo a GSMA Intelligence, em 2019, 57% dos assinantes móveis na África Subsaariana utilizavam a Internet móvel, indicando uma maior inclusão digital. No entanto, no mesmo período, 51% da população da região vivia com menos de 5,50 dólares por dia, conforme dados de pobreza do World Bank.
De acordo com um estudo do CGAP, publicado em 2023, existem enormes oportunidades para as instituições financeiras atenderem os pobres incluídos digitalmente (DIP).
Aproximadamente 81% das pessoas DIP têm uma identificação nacional (cerca de 1,46 bilhões de indivíduos) e esta percentagem diminui consideravelmente na titularidade de contas (67%), na utilização de pagamentos digitais (32%), naqueles que fazem depósitos (26%) e naqueles que têm emprestado de um provedor de serviço financeiro (12%) 1.
Os provedores de serviços financeiros podem aproveitar os footprint digital do DIP não atendido para oferecer mais e melhores serviços, incluindo contas, remessas, crédito e poupanças.
Contudo, há muitos desafios de incluir financeiramente essa parcela da população que possui uma vida digital prévia, mas não possui uma conta bancária ou acesso a crédito.
Na edição #108 (link 👉 aqui), por exemplo, escrevi que a próxima fronteira da inclusão financeira seria incluir milhões de pessoas recém-chegadas ao sistema financeiro, mas que ainda não possuem ou têm acesso limitado ao crédito. Dei como exemplo os gig workers, que trabalham em diversas plataformas da gig economy e não possuem uma fonte de renda tradicional, e portanto as informações financeiras são limitadas.
Alguns modelos estão sendo desenvolvidos para resolver esse problema, geralmente de três formas: (i) parceria direta entre plataformas gig e fintechs, que permite integração, mas pode não oferecer uma visão completa das finanças dos usuários que trabalham em várias plataformas; (ii) fintechs e bancos utilizando APIs para obter dados das plataformas gig, oferecendo uma visão mais completa das finanças dos usuários ao consolidar informações de múltiplas fontes; e (iii) fintechs utilizando instituições financeiras para concessão de crédito, em parceria com plataformas ou empresas de APIs, combinando a expertise das instituições financeiras na concessão de crédito com a capacidade das APIs de agregar dados de várias plataformas, proporcionando uma solução robusta e integrada.
Os dados gerados por essas plataformas podem ser utilizados para aprimorar a análise de crédito. Além disso, há inúmeras outras fontes de dados que podem ajudar pessoas sem um histórico financeiro tradicional acessarem o sistema de crédito. Entre essas fontes, estão dados de pagamento de contas de serviços públicos, histórico de aluguel, transações de comércio eletrônico e até mesmo atividades em redes sociais.
Nos países onde o Mobile Money exerce um papel importante, justamente pelo acesso a serviços bancários tradicionais ser limitado, houve uma criação significativa desses dados, com destaque para a África, por exemplo, com o M-Pesa, e o bKash, em Bangladesh que conseguiram criar rastros de interações sociais e digitais que os indivíduos deixam.
Uma análise de 2013 com nove países de baixa renda revelou que a posse de um celular por adultos variava entre 47% e 67%. Cada chamada, recarga de tempo de antena, mensagem de texto ou compra deixava um registro digital que poderia ser utilizado depois pelos provedores de serviços financeiros para análise 2. A utilização dessas informações pode fornecer uma visão mais ampla e precisa da capacidade de crédito dos indivíduos, permitindo que mais pessoas sejam incluídas no sistema financeiro formal.
Os dados alternativos na inclusão financeira
Quando analisamos os modelos de crédito existentes, eles são de fato limitados em muitos sentidos, o que resulta em um fator limitante para o avanço da inclusão completa dos indivíduos no sistema financeiro e, até mesmo, um aumento da inadimplência.
O modelo atual de crédito
Os modelos de crédito tradicionais geralmente se baseiam em uma combinação de dados financeiros históricos e critérios padronizados para avaliar a solvência de um indivíduo.
O histórico de crédito é um dos principais componentes, com relatórios de crédito obtidos de agências que contêm informações sobre empréstimos passados, linhas de crédito, pagamentos de contas e outros registros financeiros. A partir desses dados, é gerada uma pontuação de crédito, como FICO, que representa a probabilidade de inadimplência.
Além do histórico de crédito, a renda, a dívida atual do indivíduo, analisada através da relação dívida/renda (DTI), e o emprego também são outros fatores analisados. Muitos modelos também utilizam a estabilidade no emprego, como um outro fator importante, pois sugere uma capacidade de pagamento mais confiável, o que acaba excluindo indivíduos da gig economy.
Muitos indivíduos, especialmente em economias emergentes, não têm um histórico de crédito suficiente, o que dificulta a avaliação de sua solvência. Além disso, as informações financeiras podem estar fragmentadas e dispersas entre várias agências de crédito, dificultando a obtenção de um quadro completo da situação financeira do indivíduo.
Outra limitação é a rigidez dos critérios usados nos modelos de crédito. Muitas vezes, esses modelos são baseados em critérios genéricos que não refletem com precisão a situação financeira de cada indivíduo. Há também uma falta de flexibilidade para considerar fatores contextuais, como mudanças repentinas na renda ou no emprego, que podem influenciar a capacidade de pagamento de um indivíduo.
O modelo de dados alternativos
Neste sentido, a inclusão de dados alternativos podem ser importantes para superar as limitações dos modelos de crédito tradicionais. Por exemplo, o histórico detalhado de transações bancárias, via Open Finance, revela padrões de gastos. Pagamentos regulares de contas, como serviços públicos e aluguel, demonstram responsabilidade financeira. O uso de dispositivos móveis e o comportamento online fornecem insights sobre estabilidade financeira e comportamento de consumo.
As interações sociais e redes sociais oferecem informações adicionais sobre a confiabilidade e integridade do indivíduo. Além disso, dados de emprego na gig economy revelam fontes de renda adicionais não capturadas pelos modelos tradicionais.
Embora haja diversas fontes de dados alternativos, alguns players se concentram em alguns fatores como: proxy de renda, que determina o segmento de cliente e o valor vitalício utilizando dados de utilidades e pagamentos; padrão de gastos, que identifica as necessidades e preferências de canal dos clientes por meio de dados de comércio eletrônico e investimentos; risco e conformidade, que avalia o risco do cliente com informações de agências de crédito e outras fontes; geografia/internet das coisas (IoT), que oferece segmentação personalizada utilizando dados de localização e telecomunicações; comportamento do cliente, que compreende características e preferências através de dados psicométricos e redes sociais.
Segundo uma pesquisa da PWC de 2024, as instituições financeiras estão utilizando os dados alternativos em toda a cadeia de valor bancária, desde a captação de leads até a gestão de contas, onde destacam-se o seu uso para o desenvolvimento de novos produtos, segmentação de clientes e análises para determinar o risco de crédito/fraude, taxa de juros, prazo 3.
Um dos principais usos inclui estratégias como o Next Best Offer (NBO), que seria criar uma oferta customizada para o cliente que seja a melhor possível, utilizam dados internos e externos para personalizar ofertas conforme o estágio de vida dos clientes e suas necessidades específicas. Ou seja, utilizando machine learning e outras tecnologias, é possível oferecer sugestões contextuais e melhor a experiência do cliente.
Outro caso de uso comum são os sistemas de alertas antecipado e modelos de detecção de fraudes que conseguem identificar sinais precoces de inadimplência e comportamentos suspeitos, utilizando uma combinação de dados internos e alternativos para mitigar riscos e garantir a solvência financeira.
Como as instituições financeiras estão usando dados alternativos?
Muitas instituições financeiras estão buscando maneiras de aumentar o LTV dos seus clientes em suas plataformas. O modelo NBO está se tornando cada vez mais popular entre os bancos justamente por isso: oferecer uma experiência mais personalizada aos seus clientes.
É um modelo avançado de engajamento impulsionado por análise que utiliza dados relacionados ao cliente, seja de telecomunicações ou de terceiros, para prever o próximo melhor produto que poderia ser oferecido ao cliente.
Esses dados são então agregados em um data mart — um subconjunto do data warehouse especificamente orientado para armazenar e recuperar os dados usados cada vez que um cliente é pontuado — e passa por um rigoroso pré-processamento para assegurar a qualidade e sua relevância estatística.
Em seguida, utiliza-se machine learning, por exemplo, para segmentar os clientes. Essa segmentação não apenas categoriza os clientes, mas também gera análises de estilo de vida enriquecidos com informações derivadas de um modelo de recomendação baseado nos dados centralizados. A partir dessas análises, um Next Best Offer é preparado e apresentado ao cliente, antecipando suas necessidades e aumentando a probabilidade de aceitação de produtos financeiros adequados.
A transformação do crédito a partir do Mobile Money
Alguns meses atrás, escrevi sobre a entrada do Nubank no mercado de telefonia do Brasil, numa clara estratégia para aumentar seu LTV. Na época, mencionei que começaríamos a observar um movimento invertido ao de países da África subsaariana e asiáticos, nos quais muitas empresas de telefonia começaram a oferecer serviços bancários por meio de parcerias estratégicas com grandes provedores financeiros — tudo isso porque a dinâmica competitiva no setor bancário está mudando (leia mais 👉 aqui).
Esse modelo adotado por esses países é interessante porque essas parcerias estratégicas uniram dois interesses distintos para criar um impacto significativo: com muitas pessoas possuindo celular mas sem acesso a contas bancárias, os serviços de Mobile Money permitiram que essas pessoas realizassem pagamentos, gerando assim mais dados e ampliando a inclusão financeira.
Sendo assim, em muitos países, o crédito digital passou a ser oferecido juntamente com uma indústria robusta de pagamentos digitais. A maioria das primeiras ofertas de crédito digital envolveram parcerias entre operadores de redes móveis (MNO) e instituições financeiras/fintechs.
Aproveitando o posicionamento de cada parceiro, os fornecedores veem o crédito digital como uma oportunidade para criar novos fluxos de receitas e aumentar as taxas de retenção de clientes, aproveitando o ecossistema financeiro digital e oferecendo uma nova categoria de produtos aos clientes.
Geralmente, o processo de tomada de decisão sobre os empréstimos é automatizado, passando por uma série de árvores de decisão e algoritmos, e utilizando dados alternativos.
Os dados digitais existentes são aproveitados para obter insights preditivos sobre a probabilidade de inadimplência de um potencial mutuário, como gerenciar a jornada do cliente e como acompanhar as cobranças de empréstimos. As variáveis consideras podem incluir o uso de tempo de antena móvel, recargas de dados, transações de dinheiro móvel, saldo da carteira móvel, idade do solicitante e situação anterior do empréstimo.
Por exemplo, o M-Shwari e o KCB M-Pesa — oferecidos pela Safaricom em parceria com o Commercial Bank of Africa (CBA) e o Kenya Commercial Bank (KCB), respetivamente — são dois produtos bancários distintos que oferecem empréstimos digitais. Um pré-requisito para solicitar qualquer produto de empréstimo é que os mutuários sejam clientes registrados da Safaricom M-Pesa e tenham usado o M-Pesa por pelo menos seis meses. Da mesma forma, o Timiza, um produto de crédito digital oferecido pela Airtel e Jumo na Tanzânia, está disponível apenas para clientes existentes da Airtel que possuem uma conta Airtel Money ativa.
A nova era do crédito
Estamos entrando em um momento de inflexão no sistema financeiro global. As novas tecnologias, impulsionadas por uma maior capacidade de processamento de dados, poderão nos auxiliar a atravessar desafios antigos, como o da exclusão financeira.
À medida que a inteligência artificial ganha ainda mais relevância dentro das instituições financeiras e os ecossistemas abertos e trilhos de pagamentos digitais, como o Open Finance e Pix, trazem mais dados para dentro dos data lakes financeiros, será possível criar ainda mais experiências personalizadas.
Isso fica mais evidente quando consideramos a última aquisição do Nubank, que comprou uma empresa de vertical AI, a Hyperplane, que desenvolveu um LLM próprio para ajudar instituições financeiras a preverem comportamentos dos seus clientes 4.
Globalmente, muitas instituições financeiras têm aproveitado dados alternativos para criar scorecards de risco internos, entender melhor os clientes e avaliar sentimentos de clientes, riscos de mercado, entre outros usos.
O Axis Bank, por exemplo, utilizou dados de diversas fontes para criar modelos de estimativa de renda, empréstimos rurais e novos empréstimos, reduzindo inadimplências e riscos. O Union Bank of the Philippines usou dados alternativos para melhorar a eficiência e inclusão financeira através de soluções de crédito baseadas em IA. A Wells Fargo, por sua vez, fez uma parceria com a fintech Envestnet | Yodlee para trocas de dados via APIs.
A integração de dados alternativos já é uma realidade no setor financeiro e está transformando a maneira como as instituições operam e se relacionam com os clientes. Acredito que a inteligência artificial, infraestruturas de compartilhamento de dados e trilhos de pagamentos digitais vão impulsionar ainda mais a personalização da experiência bancária, como também aumentarão a inclusão financeira ao alcançar uma gama ainda maior de clientes que hoje estão fora do mercado de crédito.
Saúde e paz,
Walter Pereira
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Disclaimer: As opiniões expressas aqui são de total responsabilidade do autor, Walter Pereira, e não refletem necessariamente as opiniões dos patrocinadores, parceiros ou clientes da W Fintechs.
https://www.cgap.org/sites/default/files/publications/slidedeck/Landscaping-Data-Trails_final.pdf
https://docs.gatesfoundation.org/Documents/Using%20Mobile%20Data%20for%20Development.pdf
https://www.pwc.in/assets/pdfs/beyond-traditional-data-leveraging-alternative-data-banking.pdf
https://braziljournal.com/hyperplane-a-aquisicao-do-nubank-para-levar-ai-a-decisao-de-credito/